Turismo sustentável desenvolvido na região é um mergulho na história e gastronomia do povo Macuxi – Comunidade Kauwê
Vanessa Lima
RORAIMA – Uma verdadeira imersão nas tradições, costumes e sabedoria ancestral dos povos originários é o que a comunidade indígena Kauwê, localizada na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, município de Pacaraima/RR, oferece aos visitantes por meio do etnoturismo.
Por lá, o turismo sustentável e de base comunitária é utilizado como forma de valorização e fortalecimento cultural, aliando a atividade econômica ao resgate da cultura da população tradicional, à preservação do meio ambiente e à geração de renda para a comunidade.
Distante cerca de 5km da sede de Pacaraima, município que fica na fronteira entre o Brasil e a Venezuela, a comunidade Kauwê (que na língua Tupi significa sol) é formada, atualmente, por 52 famílias – no total de 160 comunitários – entre indígenas, não-indígenas e famílias de imigrantes.
Além de conhecer de perto a rotina daquele povo, suas histórias, as principais lendas indígenas, a gastronomia e bebidas tradicionais, o turista conta também com diversos atrativos naturais. O roteiro inclui trilhas ao longo de seu território e três cachoeiras: Primavera, Onça e Laje.
Segundo a turismóloga e coordenadora de turismo da comunidade, Karynna Stael Makuxi, o projeto para implementação do etnoturismo na região iniciou em 2021 com a elaboração do Plano de Visitação Turística, um dos critérios disciplinados pela Instrução Normativa Nº 3 da Funai, que dá autonomia aos povos indígenas para desenvolver o turismo em seus territórios.
Filha do tuxaua da comunidade, Anísio Pedrosa Lima, a turismóloga conta que a ideia de implantar o turismo de base comunitária no local sempre foi um sonho do pai. E, com o apoio dele e da mãe, ela cursou Turismo e pôde concretizar, junto aos moradores, os planos de geração de renda sustentável baseado no etnoturismo.
Em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae/RR), a Prefeitura Municipal de Pacaraima e o Departamento Estadual de Turismo, a comunidade recebeu capacitação para atender os turistas da melhor forma. Cursos como os de roteiros turísticos, primeiros socorros, manipulação de alimentos e de como receber o visitante foram ministrados, formando 25 condutores locais.
“Nosso turismo é comunitário. Tentamos envolver o máximo de pessoas. Alguns não querem trabalhar e nós respeitamos, pois cada um tem seu momento. Mas a cada dia temos mais pessoas somando com esse trabalho”, destacou Makuxi.
Com o Plano de Visitação Turística finalizado e protocolado junto à Funai, e os moradores capacitados para atender os visitantes, em 2021 a comunidade indígena Kauwê iniciou a experiência com o etnoturismo na Raposa Serra do Sol.
“No primeiro momento, nós sofremos um pouquinho, mas tudo foi aprendizado. Abrimos nossa agência de turismo e contratamos o Sebrae para nos dar consultoria sobre finança, projeto e roteiros. Abrimos nosso café da manhã chamado Imeru Café, a etnopousada da Onça e assim os empreendimentos foram surgindo”, relembra. A comunidade já possui toda a estrutura necessária para atender os turistas: estadia, passeios, alimentação, trilhas. O destino conta com roteiros personalizados, onde o visitante escolhe a experiência que o interessar.
“Nosso turismo é de forma exclusiva. Recebemos até 15 pessoas por final de semana. Não trabalhamos com muitos visitantes justamente pela preocupação da capacidade de carga e preservação da nossa natureza, para que não gere impactos sociais negativos e, se gerado, que seja o mínimo possível”, enfatizou Makuxi.
Dentre os roteiros, está o que leva o nome da comunidade indígena: Kauwê. Neste, o turista tem contato com a natureza e a vivência do cotidiano agrícola do local, em meio às plantações de café, cupuaçu, abacaxi, mandioca, bananal, entre outros produtos.
Tem ainda o roteiro Saberes Ancestrais, com foco em fortalecer e preservar a tradição, cultura, culinária e o conhecimento dos povos originários. O visitante vivencia a forma como o povo Macuxi prepara seus alimentos e bebidas tradicionais, como o Caxiri e a Damurida. “Aqui o turista encontra a hospitalidade do povo Macuxi. Encontra uma experiência única. Como nossos visitantes relatam, [a sensação é] de ser um aconchego da casa de mãe, além das belezas naturais, das nossas cachoeiras, nossas histórias ancestrais. Só vindo para sentir essa energia”, ressaltou a turismóloga.
Etnoturismo proporcionou o início de empreendimentos na comunidade
Ao investir e incentivar o etnoturismo, a comunidade indígena Kauwê abriu um leque de oportunidades para seus membros. Vários empreendimentos ligados diretamente à atividade econômica começaram a surgir, propiciando emprego e renda para as famílias da Raposa Serra do Sol. A Agência Indígena Kauwê Turismo faz parte do case de sucesso.
“Elaboramos nossos roteiros turísticos e comercializamos através do nosso Instagram para todo o Brasil. Os valores de cada pacote vendido são repassados parte para quem trabalhou e uma porcentagem é destinada para o caixa geral da comunidade, para ser usado em alguma emergência ou quando solicitado pela nossa liderança maior”, detalhou Karynna Stael Makuxi.
Atualmente o turista conta com cinco roteiros disponíveis: Roteiro Imeru, Roteiro Uyonpa, Roteiro Kaikuxi, Roteiro caminhos de Makuinamã e Roteiro Saberes Ancestrais. E em breve será lançada a opção do “Casamento tradicional Makuxi”, além da moda Indígena Kauwê.
A Etnopousada da Onça, mesmo em fase de construção, já recebe visitantes para pernoite. Outro produto oferecido pela comunidade são as jujubas de cupuaçu, batizadas de Yuprimavera (Yu na língua materna do povo Makuxi quer dizer floresta). O sabor marcante das jujubas, produzidas pela engenheira agrônoma Vera Lucy, encanta os turistas.
“Esses são alguns dos empreendimentos que estão nos destaques com o etnoturismo. Nem toda a comunidade trabalha de forma direta, porém sempre estão colaborando para o crescimento desse segmento”, disse Makuxi. São pequenos negócios que geram renda para várias famílias de forma direta e indireta.
Ainda segundo a turismóloga e coordenadora de turismo da Kauwê, as parcerias com instituições como o Departamento Estadual de Turismo e o Sebrae fazem toda a diferença para o sucesso dos negócios desenvolvidos pela comunidade. “Através do projeto de turismo, em parceria com o Sebrae Roraima, conseguimos atingir muitos objetivos. A Prefeitura de Pacaraima, por meio da Secretaria de Turismo, e o Departamento Estadual de Turismo do Governo do Estado têm nos auxiliado sempre que precisamos”, destacou.
Café artesanal produzido na comunidade é conhecido pela qualidade e sabor
A agricultura familiar é outro carro chefe da comunidade indígena Kauwê, que enriquece ainda mais a experiência do turista na região. A base das comidas e bebidas servidas no local vem das plantações dos próprios moradores.
O café é um dos cultivos, que é processado artesanalmente na comunidade. Produzidos em sistema natural, a 775 metros de altitude na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, o Café Uyonpa, Café Imeru e Café Kaikuxi (que quer dizer onça) são conhecidos pela qualidade e sabor marcantes.
“Imeru significa cachoeira, na tradução da nossa língua materna. O café recebeu esse nome porque a plantação fica ao lado de uma cachoeira. É considerado um café especial, de origem arábica, e tem uma história incrível. Já Uyonpa significa família. É um café produzido por outra família local, de origem arábica e robusta amazônica”, informou Karynna Stael Makuxi.
Com a produção do café, os turistas passaram a contar com roteiros para visitar as plantações, conhecer a história do Café Uyonpa e Café Imeru, o beneficiamento, o processamento, além de ter a degustação dos produtos. Uma imersão na cultura ancestral, no contato com a natureza e no sabor dos cafés artesanais.
“Temos inúmeras histórias de sucesso aqui na nossa comunidade. Além da produção dos maravilhosos cafés, temos outros produtos fantásticos. [Por exemplo] a jujuba de cupuaçu que, inclusive, está concorrendo a um prêmio referente a economia criativa através da sustentabilidade”, adiantou Makuxi.
Uma das metas para os próximos anos é aumentar a produção das culturas cultivadas na Kauwê. “A nossa produção é familiar e pequena. É totalmente artesanal e dentro da comunidade. Vamos aumentar para o futuro. As pessoas podem adquirir [os produtos] quando visitam nossa comunidade”, concluiu a turismóloga.
Comunidade Kauwê já é referência nacional no turismo em terras indígenas
O etnoturismo desenvolvido na região da Raposa Serra do Sol é uma das modalidades do turismo que mais cresce em Roraima, estado onde os povos originários correspondem a 15,29% do total de 636.303 habitantes. Somente em 2023, a comunidade indígena Kauwê recebeu média de mil visitantes oriundos de várias partes do Brasil.
“Atualmente nossa comunidade está em destaque a nível nacional. Estou sendo convidada para palestrar e mostrar esse modelo de sustentabilidade para outras comunidades indígenas, participando de exposições estaduais e nacionais, como o Salão Nacional de Turismo e até o Salão Internacional de Turismo. Concedo muitas entrevistas sobre o assunto também. Temos alcançado muitos pontos positivos e relevantes”, informou a coordenadora de turismo da comunidade.
Para o diretor do Departamento de Turismo da Secretaria de Cultura e Turismo de Roraima (Secult), Bruno Muniz de Brito, o turismo vem assumindo um papel relevante no desenvolvimento de Roraima, na geração e distribuição de renda e na construção de caminhos para o desenvolvimento sustentável.
A partir do Programa de Turismo em Terras Indígenas de Roraima, desenvolvido pelo órgão desde 2019, passou-se a registrar o crescimento e a implementação sustentável do segmento local. Ao todo, cerca de 32 comunidades indígenas do norte do estado já estão capacitadas para atender os turistas.
A iniciativa conquistou o troféu de prata no Prêmio Nacional do Turismo 2023, após concorrer com 70 iniciativas habilitadas na categoria Gestão e Governança do Turismo. “O etnoturismo se destaca e nos projeta nacional e internacionalmente. É uma vocação natural do estado de Roraima. Considerando que não temos um turismo de massa, a ideia é que o turismo sustentável se instale e seja operado em vários seguimentos”, destacou Brito.
Para mais informações, procure a comunidade indígena Kauwê nas redes sociais (@comunidadekauwe_pacaraima).