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Roraima ocupa 8ª posição no Brasil em diversidade de aves registradas, diz ornitólogo

Registro raro do Gavião Real em seu ninho – JPavani

Vanessa Lima

RORAIMA Com mais de 90% das espécies de aves registradas e conhecidas da Amazônia setentrional brasileira, o estado mais ao norte do país vem se destacando entre os amantes da observação de aves (ou birdwatching, em inglês). Roraima é o destino de muitos pesquisadores, profissionais e iniciantes da atividade que faz parte do turismo de natureza e que consiste em observar e identificar espécies de aves em seu habitat natural. 

A região tem atualmente 751 espécies de aves registradas, figurando em oitavo lugar como o estado mais diverso do Brasil. Os dados, fruto de pesquisas científicas, foram informados pelo paranaense e ornitólogo Tony Bichinski, que morou por cerca de três anos em Roraima para estudar o comportamento e a biologia reprodutiva das aves locais. 

“Roraima tem a característica de ser muito rico, diverso e, principalmente, ter espécies endêmicas, que não ocorrem em outros locais do país ou em outros lugares do mundo, como o Chororó-do-rio-branco (Cercomacra carbonaria), que só é encontrado às margens do rio Branco. É um estado muito cobiçado e admirado por observadores e pesquisadores que trabalham com aves”, destacou. 

Composto predominantemente por formações de Floresta Amazônica, e por áreas de campinas, campinaranas e lavrados, ou savanas, o Estado tem uma vasta complexidade no sentido vegetacional, o que implica diretamente na diversidade de aves, assim como na quantidade de espécies endêmicas e raras que habitam na região. 

Uma das espécies emblemáticas de Roraima e que, no país, só pode ser encontrada no estado é a Jandaia-sol (Aratinga solstitialis). Devido a sua plumagem em amarelo vivo e detalhes em laranja e verde, a ave é cobiçada por observadores que buscam fotografar e conhecer os hábitos do pássaro. Nos lavrados, ecossistema único do estado, o Téu-téu-da-savana (Burhinus bistriatus) é uma das aves comuns e que também atrai atenção. 

O Sabiá-da-praia (Mimus gilvus), o João-pinto-amarelo (Icterus nigrogularis), o João-pinto (Icterus croconotus), o Caraxué (Turdus nudigenis), o Sanhaço-da-Amazônia (Thraupis episcopus), o Sanhaço-do-coqueiro (Thraupis palmarum), a Garrincha-dos-lhanos (Campylorhynchus griseus) e o Pedro-ceroulo (Sturnella magna) estão entre as espécies de aves mais comuns em Roraima, observadas facilmente na capital, Boa Vista. 

Dentre as espécies mais raras estão o Inhambu-de-pé-cinza (Crypturellus duidae), o Inhambu-de-perna-vermelha (Crypturellus erythropus), o Bicudinho (Sporophila crassirostris), o Papa-capim-de-coleira (Dolospingus fringilloides), o Formigueiro-do-caura (Myrmelastes caurensis) e o Formigueiro-de-yapacana (Aprositornis disjuncta). 

Roraima também desponta como um dos melhores locais do país para observação do Jacu-estalo-de-asa-vermelha (Neomorphus rufipennis), uma ave de difícil visualização, mas que ocasionalmente é encontrada no estado. O Trombeteiro (Cercibis oxycerca) é outra espécie de grande porte que só é vista nos campos abertos da localidade. 

Primeiro registro no país da Águia-solitária foi em Roraima – Tony Bichinski

“Todo observador, em algum momento de sua vida, deve se programar para ir a Roraima e conhecer as aves existentes no estado, principalmente as aves de lavrado. Quem chega fica muito encantado ao avistar espécies que são raras no restante do país, e que podem ser encontradas assim que você desce no aeroporto”, indica Bichinski. 

Enquanto esteve em Roraima, o ornitólogo conseguiu o primeiro registro no país da Águia-solitária (Urubitinga solitaria), na Serra do Apiaú, município de Mucajaí. “Foram fotografados um jovem e um adulto em momentos distintos do mesmo dia. E, a partir das observações, a espécie passou a figurar na lista oficial das aves do Brasil, em 2020”, destaca. A descoberta também repercutiu internacionalmente, rendendo a menção do estado em revistas e artigos científicos.  Segundo ele, outras espécies estão sendo catalogadas para o país no mesmo lugar e em outras regiões do estado, inclusive na terra indígena Raposa Serra do Sol e na Serra da Mocidade, em Caracaraí, local em que há duas novas espécies de aves sendo descritas para a ciência, tornando Roraima ainda mais importante no campo de observação e identificação de aves. 

Turistas contam com guias especializados em observação de aves no Estado 

Aves de Roraima atraem turistas de todo o mundo – Jorge Macêdo

O segmento de turismo de observação de aves é uma realidade em expansão em Roraima, o que tem impulsionado a qualificação de mão de obra para atender o turista que desembarca no extremo norte. Amadores e profissionais da atividade contam com guias especializados para conhecer e registrar a variedade de espécies existentes no local. 

O publicitário e fotojornalista, Jorge Pavani, reuniu o amor pela natureza e fotografia com cursos de profissionalização para se tornar guia especializado em observação de aves. Ele atende turistas de diversos estados brasileiros e até de fora do país.  

Como os meses em que chove menos são os melhores para o avistamento das aves, a temporada no estado começa em setembro e segue até março. Para os meses de novembro e dezembro deste ano o guia informa quase não haver mais vagas. 

“Roraima é um lugar especial para observar aves, pois existem endêmicas, migratórias; e somando tudo tem 20% das aves do Brasil e quase 10% das aves do mundo. Elas estão espalhadas por lugares diversos no estado, com fitofisionomias diferentes. Cada espécie bem organizada em seu habitat. Por isso, é sempre importante estar acompanhado de um guia ou alguém que tenha conhecimento da avifauna local”, comenta. 

Os praticantes da atividade podem ser amadores ou profissionais, e utilizam binóculos, guias de campo, máquinas fotográficas e outros equipamentos para auxiliar na identificação das aves. Pelo calor de Roraima, o guia orienta utilizar roupas leves, repelente, protetor solar e nunca esquecer da água. Ele lembra ainda que é uma atividade que começa e termina cedo.  

Rabo-de-arame / Marcelo Camacho

Dono de uma empresa de turismo e guia de observação de aves no Estado, Francisco Diniz explica que trabalha com roteiros personalizados de acordo com os interesses do cliente. O custo médio de um tour é de R$ 1.000 a R$ 1.500 por dia. Ele compartilha que os grupos que recebe, em sua maioria, são brasileiros de faixa etária a partir dos 50 anos. 

“O número de brasileiros observando aves tem crescido e, se não fosse a pandemia, estaríamos com uma procura internacional mais regular também. Já atendi ingleses, suecos, dinamarqueses, americanos e japoneses. Ainda não estamos num fluxo ideal de turistas, mas a coisa tem acontecido no estado”, avalia Diniz. 

A observação de aves movimenta a economia local e, além de prazerosa e relaxante, também pode ser uma forma de contribuir para a conservação da biodiversidade e do meio ambiente, despertando a conscientização sobre a importância da preservação dos habitats naturais.

Observação de aves também é hobby entre moradores de Roraima

Galo-da-serra, ave símbolo do estado de Roraima – Foto Jorge Macêdo

Não só os turistas têm se interessado pela diversidade de espécies existentes em Roraima, mas entre os próprios moradores do estado tem crescido o número de praticantes da observação de aves de forma recreativa e profissional. 

O renomado fotógrafo Jorge Macêdo é cearense e vive em Roraima há cerca de 40 anos. Apesar de fotografar tudo e todos os temas da Amazônia, ele afirma que a natureza é o que mais o atrai. E, desde 2013, quando entrou no WikiAves, um site de conteúdo interativo direcionado à comunidade brasileira de observadores de aves, esta tem sido uma de suas grandes paixões. 

“A experiência é desafiadora. Temos que respeitar a natureza, ter paciência, disciplina, conhecimento dos hábitos das aves e, às vezes, ter habilidades técnicas para atrair as aves e conseguir uma boa foto. Junto com outros colegas já participei de várias incursões, tanto na Amazônia quanto em outros estados brasileiros, inclusive em alguns outros países, na busca por novos registros”, detalha. 

Macêdo tem registros de 535 espécies diferentes de aves e 2.690 publicações na plataforma WikiAves. A fotografia do Galo-da-serra (Rupicola rupicola) é uma de suas preferidas, registro este que é fruto de uma expedição de 15 dias que realizou junto ao ICMBio no Parque Nacional da Serra da Mocidade, em Caracaraí.    

“O Galo-da-serra é icônico para mim. Durante algum tempo virou quase uma obsessão registrar essa que é a ave símbolo de Roraima. Foi o segundo registro desse pássaro no estado e a primeira foto que eu publiquei no site WikiAves”, lembra. 

Uma das grandes influências de Jorge Macêdo para a prática do birdwatching foi o fotógrafo e cirurgião dentista, Marcelo Camacho, precursor do registro de aves no Estado. Apaixonado por aves desde a infância, ele conta que começou a fotografar as espécies quando chegou em Roraima, ao notar que a avifauna local era bem distinta do seu estado de origem, São Paulo.       

“Comecei registrando as aves do meu quintal e a partir daí fui expandindo meu universo de exploração. As paixões pelas aves e, posteriormente, pela fotografia se uniram e comecei a me dedicar muito intensamente aos registros de aves. Logo fui apresentado ao WikiAves e tive minhas primeiras fotos publicadas em revistas, como a National Geographic, em livros científicos e peças publicitárias”, explica Camacho. 

Entre as espécies que ocorrem no Brasil, o fotógrafo já conseguiu o registro de 860 aves diferentes e, considerando as de outros países, o número cresce para mais mil espécies. Até mesmo aves ainda não descritas pela ciência já foram descobertas por ele. Um dos registros que afirma estar entre os seus prediletos é o do Rabo-de-arame (Pipra filicauda). 

“O ambiente da observação de aves promove a proteção dos ambientes naturais, colabora com a ciência, propicia práticas que fazem girar a economia (guias, hotéis, aluguel de carros, restaurantes, passagens, etc) de forma sustentável e educativa; enfim, cria um círculo virtuoso que tende a crescer de forma autônoma”, avalia. 

Jorge Macêdo é um dos maiores especialistas no Brasil em observação de aves – M. Shirata

O número de adeptos do birdwatching cresceu tanto no estado que propiciou a criação do Clube de Observação de Aves de Roraima (COA/RR). Fundada em 2019, seu presidente, Ronilson Moura Cavalcante, explica que a organização de amigos, sem fins lucrativos, tem como objetivo reunir pessoas que têm como interesse comum observar aves na natureza, contribuindo para a sua identificação e preservação. 

O grupo conta atualmente com 41 integrantes, entre profissionais e amadores, de várias partes do estado – Boa Vista, Normandia, Serra do Tepequém, Caracaraí – e também de fora – São Paulo. O COA/RR tem levado para as escolas o conhecimento adquirido a partir de estudos e da observação das aves, propagando a importância da conscientização ambiental para a existência das espécies.   

Mestre em Agroecologia, Ronilson Cavalcante conta que observa a vida silvestre desde criança, mas pratica o birdwatching como um hobby – estilo de vida – desde 2017. “Observar aves proporciona contato com a natureza e um bem-estar para as pessoas. Levo minha família também nas observações, esposa, filhas, enteada, o que acabou se tornando uma paixão para todos nós. Tanto que minha filha, Flávia dos Santos, que é membro do COA/RR, decidiu cursar biologia”, comenta orgulhoso. 

Além de uma expedição para o Monte Roraima, que aconteceu ano passado, e idas a várias outras regiões do estado, ele já viajou para observar aves no Amazonas, Brasília, São Paulo, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Norte. E já se prepara para embarcar com a filha graduanda em biologia para o Rio Grande do Sul.

 

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