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Marco Oliveira
Antropoceno

Geólogo, mestre em Geociências pela Unicamp e
pesquisador. Água, Terra, Noosfera.

Geoturismo e o Turista Viajante

A Amazônia para quem a visita pela primeira vez ou para aqueles que sonham em conhecê-la, traz em seu imaginário as impressões dos primeiros viajantes, vindos do velho continente, cujos registros em desenhos, pinturas e escritas, descrevem uma paisagem de densas florestas, grandes rios, fauna e flora estranhas e exuberantes, povoada por seres tão primitivos que andavam nus, vivendo da caça, coleta e pesca. Seria o retrato do paraíso perdido ou o inferno verde dos desolados ao não encontrarem o seu Eldorado.

Esta imagem de uma Amazônia intocada e de riquezas naturais atrai hoje o turista em busca de uma experiência, vivida pelos antigos viajantes, de deslumbramento diante de uma natureza virgem, desafiadora e misteriosa. Seja em um banho nas águas pretas de uma cachoeira escondida na floresta, ou em praias de areias brancas, onde como o mar, o horizonte se perde do outro lado da margem do grande rio, ou então na visita às comunidades indígenas que lhes apresentam um combo de seu modo de vida, a sensação de pertencer a este local mítico é garantida.

Além da memória do antigo viajante, há uma paisagem diversa com serras e montanhas exibindo cruamente sua formação rochosa, em paredões verticais e monólitos assentados no chão desnudo, os quais podem ser vistos ao longe nos campos e lavrados que ocorrem no extremo norte da Amazônia, em Roraima.

Recordo quando visitei pela primeira vez esta região, ainda na década de 90, indo de Manaus para Boa Vista pela BR-174, estrada que atravessa a floresta, em um longo corredor, cercado de mata, deixando entrever apenas o traçado da pista. A sensação claustrofóbica se intensificava ao passar pela terra indígena Waimiri-Atroari, no limite dos estados do Amazonas e Roraima, onde o corredor se transformava em um túnel formado pela copa das árvores que se uniam sobre a estrada. Mas ao atravessar o rio Branco, de balsa, em Caracaraí, começava a descortinar, em 360 graus, o relevo plano do lavrado, com seu horizonte amplo, céu límpido e ao fundo, cenograficamente, a sombra das montanhas.

A percepção de fazer parte desta paisagem é ancestral, como os hominídeos que perambulavam pela savana africana, e nos conecta com a natureza dentro de nós. Uma paisagem sem o homem é fria e vazia, é olhar para os Alpes e não ver o mosteiro no topo do rochedo, é ver uma imagem de Marte, com seu terreno pedregoso e vermelho sem o rastro, no pó sideral, do veículo que ali tirou as fotos, é mirar o horizonte no oceano e não ver as luzes de um navio. É uma solidão sem estar ali. Terra, paisagem e humanidade são inseparáveis. Nascemos, evoluímos e caminhamos sobre terrenos que ajudamos a moldar.

Para o turista, a experiência amazônica é completa quando se une a contemplação da paisagem, a imersão na floresta e a cultura dos povos indígenas à história da Terra. São muitos os locais: lajeiros em cachoeiras, grutas, cavernas e paredões rochosos onde estão gravados a presença humana, em pinturas rupestres, petróglifos e sulcos amoladores, que podem ser observados nos monólitos de granito da Pedra Pintada, em Boa Vista, nas grutas de gnaisses em Rorainópolis, nos paredões de rochas vulcânicas do Uiramutã. Sustentando estes sítios arqueológicos as rochas contam sobre eventos marcantes que ocorreram durante a evolução do planeta há 2 bilhões de anos.

O Monte Roraima e a Serra do Tepequém, formaram-se por rios imensos, que depositaram o cascalho diamantífero e aurífero, ainda hoje extraídos ali. Em sua base, fissuras na terra levaram a ascensão de magma até a superfície, onde seu rápido resfriamento deu origem as rochas vulcânicas do leito do rio Surumu. Em um passado mais recente, lagos e mares rasos uniam o que hoje é o lavrado com o mar do Caribe. É uma história longa e complexa e por vezes a mitologia dos povos indígenas faz alusão a ela, tendo nestes registros arqueológicos e na forma das pedras ali expostas a origem de sua criação.

Se você vier para a Amazônia e puder curtir a paisagem, experimentar a cultura indígena, conhecer a história da Terra e do Homem, contada nas rochas e nos registros arqueológicos, você estará fazendo o Geoturismo. Assim como um viajante, carregará na memória e nos posts não apenas as imagens com muitos likes, mas o conhecimento e a vivência de ter estado aqui e se reencontrado com sua ancestralidade.